Panacéia dos Amigos

quarta-feira

O Problema do Destino e do Imponderável por Pietro Ubaldi - Parte VI



     

     
      Para podermos fazer, portanto, a análise do imponderável, necessitaríamos saber penetrar a estrutura de nosso próprio destino, isto é, conhecer a fórmula de sua composição e a natureza e percentagem de suas várias forças componentes. Precisaríamos de conhecer, noutras palavras, o que preparamos em nosso longo passado. O homem atual não tem conhecimento de nada disso e está longe de imaginar que tudo isso se possa saber. E é bom que não o saiba, tão grande é sua tendência de fazer mau uso de tudo. A divina sabedoria não nos permite o conhecimento senão proporcionalmente ao que merecemos. Precisaríamos de poder pesar méritos e deméritos, medir e qualificar as forças adquiridas, os impulsos negativos e contrários das culpas, as falhas, os desvios, tanto quanto os esforços de ascensão, as retificações, registrar todo o débito e crédito diante dos equilíbrios da divina justiça. Necessitaríamos conhecer o homem em geral e seu caso particular. Trabalho de profunda penetração no próprio destino, que cada um pode fazer sozinho, estudando-se, reconstruindo-se, reconhecendo, pelo que é hoje, o que necessariamente deve ter sido no passado, observando analiticamente o que seus instintos, atualmente, resumem numa síntese, percorrendo de novo a estrada seguida até chegar a ser o que hoje é, decompondo o produto atual em seus vários elementos constitutivos. Determinado tudo isso, poderá ele dizer, então, que probabilidade terá hoje de vencer ou perder, de regozijar-se ou sofrer, de ser, como se diz, feliz ou desgraçado. Assim como para saber qual será nossa saúde durante a vida, devemos conhecer o estado orgânico de nossos pais e avós, assim, paralelamente à hereditariedade fisiológica, devemos, para conhecer nosso destino, interrogar o nosso passado espiritual, a fim de estabelecer o que dele nos provém, pela paralela lei de hereditariedade espiritual.
    É fundamental, para prevermos o êxito desta vida, conhecer seus precedentes, sua contabilidade no tempo, saber com que fardo de débito ou crédito nascemos. Não se trata absolutamente de sorte, nem de acaso, nem de habilidade apenas. Compreender, compreender, compreender - eis o grande problema. O homem atual, porém, se ocupa de outras coisas. E, por isso, a Lei o guia e o domina, sem que ele compreenda coisa alguma.
    Que imensa bagagem de impulsos trazemos conosco, como indivíduos e como coletividade! E isso em todos os campos: moral, econômico, intelectual, orgânico, social. Cada abuso, em qualquer parte, gera uma inversa carência, correspondente e proporcional. Por isso na Terra muitos sofrem, necessitando de coisas que, no entanto, existem em abundância.
    Cada desenvolvimento unilateral de uma qualidade gera a necessidade de completar-se com outro desenvolvimento no lado oposto, com experiências diametralmente contrárias. Por isso, neste mundo muitos se encontram deslocados, justamente porque aqui se encontram para experimentar e aprender o que ainda não sabem. Daí parecer, na Terra, estar tudo errado. Este mundo, porém, não é lugar de repouso, mas de exercício, não é campo para colher, e sim para semear.
     Nossas deficiências morais, o crime, o vício, a pobreza, a imbecilidade, como também as predisposições e vulnerabilidades orgânicas, são carências resultantes de abusos. O panorama do nosso mundo parece poder resumir-se em duas palavras: abuso e carência. Existe de tudo, porém, mal distribuído. O abuso, saciando- nos, consome-nos, enfraquece-nos, facilitando ataques patogênicos de toda espécie, em todos os campos, e contra os quais não mais estamos premunidos, por havermos destruído nossas defesas naturais. O mau uso inverte os impulsos da vida que, assim, não mais permanecem conosco, mas, se põem contra nós. Qual é nosso passado humano?
    A história nos diz que, muitas vezes, foi horrendo. Que poderemos esperar da vida, com semelhante fardo nos ombros? Além disso, o dinamismo íntimo da própria personalidade atrai as forças do ambiente, torna-se núcleo, formando-se-lhe em torno vestimenta material de formas, em que detemos nossa observação, e que dão solidez e resistência concreta ao imponderável. Se isso nos parece hostil e a Terra um lugar de sofrimento, também é verdade que este mundo pode ser um purgatório, lugar de redenção.
    Se na Terra os involuídos podem até gozar e os malvados se arruinam, entranhando-se sempre mais no mal, também é verdade que os evoluídos aqui vêm para purificar-se ainda mais, através da dor e do amor. Também é verdade que no purgatório terreno é oferecida a cada alma a possibilidade de reconstruir-se no bem e de preparar para si mesma um futuro de felicidade, corrigindo seu próprio destino através de uma vida santa.

O Problema do Destino e do Imponderável por Pietro Ubaldi - Parte V


     
     Se misturamos 50 objetos brancos e 50 pretos, perfeitamente iguais, a probabilidade teórica de extração, para cada cor, é de 50%. Se misturarmos 25 objetos brancos, 25 pretos, 25 amarelos e 25 verdes, a probabilidade de extração para cada um dos quatro tipos é de 25%. Se misturarmos 100 tipos de 100 tipos diferentes, teremos a probabilidade de 1% para cada um deles.
    Uma outra observação. O cálculo de probabilidades nos faz crer que o desenvolvimento do fenômeno no passado nos autoriza a crer que no futuro ele continue na mesma direção. O fato, porém, de a vida basear-se no equilíbrio, faz com que suceda justamente o contrário. Quanto maior número de vezes se houver verificado um fato, menor é a probabilidade, em virtude da lei de equilíbrio, de ele realizar-se novamente no futuro. Segundo sua universal lei de dualidade, a vida avança, não por acumulação de fatos, mas pela compensação de contrários. É justamente esta a verdadeira lei que rege os acontecimentos humanos e, por isso, também, a lei do nosso destino. Lei que vai da maior afirmação de Cristo no Discurso da Montanha, ao caso em que a sorte mais vezes nos tem sorrido e que dificilmente continua a sorrir-nos. Quanto mais o jogador ganhou, menos provável é que continue ganhando. Eis as leis da fortuna, que absolutamente não é cega. O homem comum imagina justamente o contrário. Quanto mais é feliz, mais se torna confiante e seguro de si mesmo, mais é levado a ousadias; e assim se encaminha para a derrota. Isso é precisamente a conseqüência de uma lei que visa restabelecer o equilíbrio e a que ele, inconscientemente, obedece. E assim se explica a queda, que nos parece incompreensível, de tantos grandes triunfadores do mundo.
    Não queremos pesquisar se, num estado relativamente originário, o ser humano tenha gozado de 100% de felicidade e se desse estado caiu a uma percentagem de 100% de dor, nem se a evolução atual consiste em recuperar esses 100% de ventura perdida. Hoje, todavia, podemos considerar, como relativo ponto de partida atual um estado de equilíbrio, em que, dentro da justiça, o destino de cada homem contenha 50 unidades negras, ou probabilidades desfavoráveis de dor. Poderia ser esta, no atual estado evolutivo, uma posição mediana de equilíbrio a que atualmente a Lei tende a reconduzir tudo, não obstante certas mudanças de direção. Trata-se de uma ordem que, embora violada, tende automática e providencialmente a reconstituir-se. Não desejamos aqui indagar se a Lei queira mais do que isso nem se tende a forçar-nos uma reconstituição dos 100% de felicidade. Por enquanto, apenas interessa observar que a transformação dessa percentagem e as deslocações de equilíbrio podem ser produzidas pelo livre comportamento do homem. Indispensável era, para que o homem pudesse evoluir, através da experiência própria, que lhe fosse concedida a liberdade de violar a própria ordem, de modo que ele pudesse conhecer as conseqüências dolorosas do erro e aprender a abster-se dele. Em resumo, a evolução, objetiva produzir um ser consciente do bem e do mal, um homem que sabe, e não um autômato, embora perfeito. Desse modo, aconteceu que, pela liberdade concedida por Deus, de abusar e errar para aprender, embora pagando duramente, o homem distanciou-se, mais ou menos, do equilíbrio da justiça divina, alterando a proporção basilar de equilíbrio, através da cadeia de suas várias existências sucessivas.
    Assumindo toda a responsabilidade e sujeito a perigos, o homem teve a liberdade de deslocar esses equilíbrios que tendem, no entanto, sempre, a reconstituir-se e aos quais a Lei tende sempre a reconduzi-lo. Sem atingirmos o caso limite da absorção completa, através da dor e da ascese, das 50 unidades negras, isto é, a felicidade absoluta em Deus ou, no caso contrário, o da absorção completa, através do abuso e da descida, das 50 unidades brancas; sem atingirmos, assim, a plenitude da vida voluntária e conscientemente conquistada ou, pelo contrário, a autodispersão no nada, atualmente na Terra encontramos deslocações parciais de equilíbrios que se fixam, embora transitoriamente, no campo de forças do próprio destino, e assim se transmitem, de vida em vida, à espera de correção. Formam-se, desse modo, os mais diferentes destinos, por nós mesmos construídos, com variados transtornos, no bem ou no mal, e que são o resultado último de todas as operações da vida, resultado que é levado, intacto, ao alto da página, ao iniciar-se um novo balanço, através de uma nova existência.
    Assim, ao nascer, cada um traz consigo o seu fardo, bem seu, porque feito por ele mesmo, e que será peso ou auxílio, conforme ele quis. O ponto final de uma vida é ponto de partida da que se lhe segue e as conclusões de uma se tornam premissas da outra. As convicções que possuímos, ao finalizar de uma existência, formam o instinto que nos impulsionará até os dias juvenis da existência seguinte, sem que tenhamos consciência disso. Assim, inconscientemente, mas de acordo com a justiça, estabelecemos cada nova vida sobre os fundamentos da existência anterior, colocados em plena consciência de maturidade. E seremos, assim, sempre o resultado de nós mesmos. Teremos, por isso, destinos felizes ou infelizes, de alegria ou de dor. Quem abusou, desrespeitando a Lei por excessos do prazer, pode achar-se, no futuro, com um destino de 25 probabilidades de alegria contra 75 de sofrimento e assim sucessivamente. Construímos nosso destino livre e vagarosamente, trazendo-o ao nosso lado com toda a nossa história nele escrita, à base de nossos créditos ou débitos. Ao mesmo tempo que, contínua e fatalmente o suportamos, podemos continuamente modificá-lo, como o desejarmos, no sentido do bem ou do mal, preparando o futuro.
    Eis como se pode analisar o imponderável e penetrar seu conteúdo desconhecido. Tudo isso é tão verdadeiro para o indivíduo como para as coletividades. O fenômeno, na realidade, não se nos apresenta tão reduzido, em sua mais simples expressão, facilitando observações. Na verdade, as forças componentes de um destino não têm só duas cores, mas muitas e diferentes. Não se trata apenas de alegria ou dor, embora esse seja o aspecto fundamental, mas, também, de variadíssimas qualidades adquiridas, das mais variadas especializações e disposições, conforme as atividades desenvolvidas e os trabalhos a cumprir.
    É um fato que os destinos, excetuando-se os tristes destinos das nulidades, se nos apresentam com direção própria, típicos, individuados por uma cor dominante, por uma tendência para determinado gênero de experiências. Por outras palavras, suas forças constitutivas são diferentemente coordenadas, formando um organismo com vontade própria, seguindo uma determinada direção. A realidade exterior, em que quase todos se baseiam, não é senão uma vestimenta, um cenário transitório, que só serve para corporificar o desenvolvimento dessas forças. É natural que quem tomar essa forma concreta por toda a realidade, há de reconhecer, mais tarde, achar-se em face de uma ilusão

terça-feira

O Problema do Destino e do Imponderável por Pietro Ubaldi - Parte IV




     Que contém essa grande zona de desconhecido?
    Eis o que é preciso saber. Na vida, inclusive para alcançar êxito em nosso mundo atual, necessitamos de mais bom senso e sabedoria. A força, em que hoje tanto se acredita, se não a soubermos guiar, a ninguém servirá, reduzindo-se a estúpida e violenta manifestação de um bruto: extermínio inconcludente. Quantas coisas imprevistas estão de emboscada, no bem ou no mal, como alegria ou dor, nesse imponderável que, embora no mistério, conduz tão grande parte de nossa vida! Ao lado da zona bem definida, formada de coisas por nós mesmos desejadas, que vasto campo em que preponderam o que chamamos circunstâncias, surpresa, sorte, desgraça! A maioria, ignara e simplista, atribui todas essas coisas, em peso, ao acaso. Ora, quem diz acaso revela a própria ignorância. A quem sonda nas profundezas, porém, a estrutura da vida parece bem diferente. Uma ausência de normas e de guia, um funcionamento sem lei, confiado totalmente à desordem - é um absurdo. A direção, que é ato positivo, não poderia ser confiada a um elemento negativo, que não se sustém por si mesmo e que só existe como contraposto. A negação da ordem não pode ter a força de sustentar a perene afirmação criativa da vida. Como o nada não existe senão como condição do ser, igualmente o acaso só é consebível como desordem enquadrada em função de uma ordem mais vasta, que o circunscreve e o conduz, em ordem, para superiores objetivos.     Tudo no universo, inclusive o que aparenta fugir à disciplina e parece casual, é regulado por normas e cada força se move, por concatenação, objetivando uma precisa finalidade, segundo o princípio de causa e efeito. Também onde as forças surgem ainda em estado caótico, caracterizando fases mais involuídas, o pensamento e a vontade de Deus, íntima e ocultamente, detêm as rédeas e governam o caos. É somente por essa razão que esse caos não se transforma numa dança infernal de forças inimigas e não se dissipa no nada, mas, gradualmente evolui, disciplinando-se numa ordem em que cada vez mais evidente se manifesta a presença de Deus. O imponderável não é, pois, o acaso ou uma desordem e, sim, uma ordem que não conhecemos.O problema consiste, assim, em penetrar a lei desse funcionamento, de nós desconhecido.

Que significa a vida de um homem? Não é, certamente, um fenômeno estático: é um feixe de forças em movimento. Em face do princípio de causalidade, o problema é conhecer o caráter de cada uma dessas forças, quais são atualmente, o caminho que elas percorreram até hoje. Só assim poderemos determinar o que serão elas amanhã. Trata-se de nos conhecermos a nós mesmos, de conhecer a personalidade humana em geral e, depois, nosso próprio caso particular. O homem moderno não conhece nem uma nem outra coisa. Não é fácil, porquanto são muitos os elementos: são impulsos recentes, outros distantes, outros remotíssimos, de natureza e poder diferentes, e sempre em contínuo movimento e desenvolvimento. São forças nossas e alheias entrelaçadas por uma contínua interdependência de ação e reação; são forças já solidificadas em determinismo, fixadas por longas repetições de atos em automatismos e instintos, e forças ainda livres, em formação, que apenas começam a fazer parte do feixe dinâmico que constitui a personalidade humana, forças ainda fluídicas, não cristalizadas no destino, e que continuamente produzimos. Como nos orientarmos?O universo é, entretanto, indubitavelmente, uma grande orquestração de forças, um imenso concerto, em que também o homem emite sua nota, mais ou menos consciente, mais ou menos livre, conforme sua evolução e vontade. Cada ato, cada dia, cada vida segue e sobrevem, uma após outra, como ondas de um oceano sem fim. Tudo é conexo no espaço e no tempo, e tudo avança na grande marcha ascensional da evolução para Deus, para os objetivos pessoais, para mais vastos escopos coletivos, numa hierarquia de finalidades orientadas todas para um único centro: Deus.

Se o homem conhecesse todos esses elementos que se encontram nele e em torno dele, sem dúvida conheceria seu futuro. O conceito de acaso, de caos e de desordem não pode existir senão na forma mental do involuído. Só nos graus de evolução superior à humana se pode ter a capacidade de abranger tão vastos panoramas, que estão providencialmente escondidos ao homem atual, em face de seus baixos instintos. Assim, atualmente, para ele, tudo o que está fora do seu reduzido campo de exercitação, que lhe é necessário para progredir, tudo se confunde num inextricável emaranhado que o deixa em trevas profundas. Eis porque a palavra "imponderável" não pode assumir senão um significado negativo, de desconhecido e incognoscível, quando, na realidade, possui um conteúdo positivo e precisamente definível.
    Para atingir este conteúdo, todavia, é necessário ainda evoluir, distanciando-se do atual estado de animalidade. O homem de nossos dias não pode compreender isso, porquanto se encontra dentro desse estado e é ele sua forma mental; e um estado não se pode perceber quando se está dentro dele, mas, sim quando se está fora dele ou dele se afasta. O homem atual navega num mar de incógnitas, em que a direção dos acontecimentos, individuais ou coletivos, não lhe pode ser confiada, porque ele é um cego, mas é mantida pela sabedoria das leis de Deus. Entretanto, para que lhe seja possível evoluir, através de uma livre experiência, por forma consciente e responsável, um pequenino raio de luz lhe foi deixado, suficiente para lhe iluminar a estrada a percorrer. Aí ele compreende, escolhe, semeia e ceifa, erra e paga, sofre a reação das forças que possui e que somente ele mesmo pode movimentar. Quanto ao resto, nada sabe e nada pode, tudo é determinismo, acima de seu poder e conhecimento e, portanto, também responsabilidade. Não lhe resta senão entregar-se a Deus e à Sua sabedoria.
    Ao homem foram confiados um determinado dever e um pequeno campo para lavrar, que é o seu planeta; só como simples espectador pode ele contemplar a direção do universo, nos limites de sua compreensão. Realizado o seu trabalho no âmbito estabelecido pela lei de Deus, para sua própria edificação, o resto pertence ao próprio Deus, que distribuirá infinitas tarefas a quem e a quantos quiser. Cumprido seu dever, ao homem não resta senão confiar no "Pai Celestial", que já demonstrou saber tão bem dirigir o universo, trazendo-o até aqui, vivo e esplendoroso, qual o vemos, trabalhando antes do homem e sem auxílio dele. Quando, pois, o homem errar, que aceite de Deus a justa correção; e quando souber adaptar-se à Sua ordem, Dele aceite a justa recompensa.
    Quando falamos sobre um imponderável conhecível, referimo-nos às incógnitas relativas ao homem e ao seu ambiente e também às do universo, que neles se refletem. Se quisermos sondar o imponderável que mais nos interessa, o mais próximo, relativo à nossa personalidade, maior é a possibilidade de conhecê-lo. Com o cálculo das probabilidades já se tem experimentado estabelecer a lei que regula o curso dos acontecimentos. Esse cálculo, porém, se refere às formas mais simples e é uma abstração bem longe de corresponder à realidade. Nos eventos humanos os elementos constitutivos são tantos e em tão grande parte desconhecidos, que aquele cálculo falha completamente ao seu escopo. Se reduzirmos, no entanto, o complexo feixe de forças que constituem um destino à sua expressão mais simples, isto é, forças favoráveis ou contrárias, poderemos ter uma idéia do seu provável desenvolvimento, numa determinada vida.

segunda-feira

O Problema do Destino e do Imponderável por Pietro Ubaldi - Parte III



       
     A Lei responde com a voz com que a chamamos e é tão rica que sabe responder a todas as vozes, de acordo com o mérito de cada qual. Então, é possível ao justo apelar, não mais para a força ou a astúcia, sistemas de luta por ele superados, mas para a divina justiça e desta receber uma resposta direta, isolada no seio de um mar de respostas diferentes; é possível receber um tratamento de bondade e de salvação, no seio de um cataclismo universal. E assim, o evoluído pode marchar com um destino todo seu, independente do de seus semelhantes, do da própria humanidade. Enquanto os outros, pelos seus métodos de luta, se destroem, alternativamente arrastados pelo turbilhão de força, presos pelo ódio recíproco à sua destruição, o evoluído, inocente das culpas do mundo, poderá seguir seu destino, totalmente seu, de alegria e de paz. As forças do imponderável terão formado em torno dele um invólucro protetor, uma defesa salvadora, que o torna invulnerável, porque inocente, em meio aos mais graves perigos que arrastam os outros. Deixemos aos juristas o estudo dos caminhos da justiça humana, que tem simplesmente escopos defensivos de uma classe dominante ou de toda a coletividade social. Ocupamo-nos, aqui, da justiça divina, que não é, como a humana, um produto da luta pela vida, mas, sim, um produto do universal princípio de ordem e equilíbrio que tudo governa.

    No que livremente quisemos no passado é que se encontra a origem do destino, que depois nos prende à alegria ou à dor. Está, assim, no que merecemos, a razão das adversidades que nos ferem. O homem, em lugar de reconhecer que errou, prefere lançar a culpa sobre os outros. Nosso intelecto, porém, tem necessidade de descobrir no princípio causal do universo as características de uma absoluta justiça e somente assim a encontra. Sentimos por instinto, e a voz da nossa consciência nos diz que é justo sofrermos as conseqüências somente do que pessoalmente merecemos por nossas próprias ações. Sentimos que se isso não fosse verdadeiro em um caso apenas, toda a ordem e o equilíbrio do universo seriam abalados. Temos, instintivamente, necessidade de crer nessa justiça substancial que está além da justiça formal e exterior da sociedade humana. É à essa mais profunda justiça interior que nosso espírito recorre, apelando para o supremo tribunal de Deus. Andamos buscando essa justiça nos acontecimentos humanos e ficamos desiludidos e insatisfeitos por não a acharmos. E a renunciamos, constrangidos. E, no entanto, ela existe, e existe sempre. De outro modo, desabaria o universo. A perfeição de Deus não tolera em si qualquer injustiça.

    É regra geral que, quando um problema nos parece insolúvel, isso se deve ao fato de havermos partido de premissas erradas; devemos substituí-las. Todos os problemas têm que ser solúveis. Quando num caso qualquer nos parece triunfar a injustiça, isso não pode provir senão de defeitos de observação. Costumamos observar apenas os poucos dias desta breve vida humana, mas, a justiça, dada a eternidade do espírito, não se pode realizar toda senão nessa eternidade. Diz-se que Deus não paga o sábado. Porque a justiça divina não tem pressa de pagar, desejaríamos admiti-la inexistente. Realmente, o nosso destino é um campo de forças em que se encontram traçadas todas as trajetórias das ações por nós iniciadas, e cada uma delas tem que atingir, até a meta, seu esgotamento. Toda a lógica inexorável do funcionamento orgânico do universo nos grita isso e não existe força ou ignorância que possa fazer calar esse grito. Estes problemas não se resolvem com a mesquinha preocupação apriorística de não se vestirem eles de uma ou outra teoria, própria desta ou daquela escola. A verdade não pode ter preconceitos. Se tememos encontrar o obstáculo do reincarnacionismo, iremos de encontro ao da injustiça de Deus, ou, então, concluiremos com a imperscrutabilidade do mistério, isto é, declararemos insolúvel o problema; e isso prova que nos enganamos em suas premissas. Se não quisermos, pois, concluir com a injustiça ou o mistério, isto é, falir nas conclusões, perdendo-nos no caos, deveremos mudar as premissas. Só assim resolveremos o problema do destino humano, da liberdade e do determinismo que nele se encerram, da responsabilidade e da justiça segundo o mérito. Só assim resolveremos tudo em harmonia com tudo; de outro modo, nada explicaremos. O exame do problema do destino levou-nos a observar um mundo de forças que escapam aos nossos habituais meios de observação, mundo das causas, mundo de que depende tudo o que sucede posteriormente no plano sensível dos efeitos. Procuremos agora compreender como funciona esse imponderável, que se assemelha a bastidores dos acontecimentos de nossa vida, de que tudo se deriva. Podemos, assim, ainda mais aprofundar os conceitos precedentes.

    O mundo moderno, apressado e céptico, não imagina a presença do imponderável em meio das coisas mais comuns da vida quotidiana. Quando nos preparamos para a realização de qualquer objetivo, existe, de um lado, uma nossa necessidade ou desejo, e de outro, um plano instintivo ou racional, que tende a atingir a satisfação. Que é que abrange esse plano diante do oceano de incógnitas que nos circunda? E essas incógnitas são forças presentes, reais e ativas, tanto que podem desviar, a cada momento, o desenvolvimento de nossos planos, interferir na série coordenada de nossos atos, neles introduzindo impulsos novos que, provenientes do desconhecido, são para nós imprevisíveis. Para poder compreender e definir o imponderável é preciso penetrar esse desconhecido. Esses desvios, que não conseguimos prever, porque seus elementos nos escapam e são mais fortes que nós, nos assediam a cada passo nos pequenos eventos individuais de cada dia como nos grandes acontecimentos da história, dando à nossa vida um contínuo tom de incerteza. 

De fato, nunca estamos verdadeiramente seguros, ao pormos em execução qualquer projeto, se acabaremos chegando aonde queremos, ou se, pelo contrário, atingiremos um ponto completamente diverso do que fixamos. Isso vimos na última guerra. O mesmo acontece em nossos problemas particulares. Freqüentemente, uma coisa desejada com sagacidade e constância, não consegue êxito, embora sabiamente preparada, ao passo que outras coisas que parecem, a princípio, apresentar-se com mínima probabilidade de êxito, às vezes, imprevistamente, o conseguem de modo completo. Que três quartos dos elementos do sucesso nos escapam, é um fato que todos sabem. Agitamo-nos, assim, às cegas, conservando em nosso poder apenas uma pequena parte dos elementos do triunfo e com tão poucas cartas na mão tentamos a vitória. Tentamos. Os demais, que representam essa incerteza, se lançam à ventura e agarram por acaso, desordenadamente, o que podem e o mais que podem. É evidente, contudo, que a solução do problema do sucesso não se encontra no uso louco e desordenado, embora prepotente e resoluto, daquela pequena parte de elementos em nosso poder e, sim, no conhecimento e, portanto, na inteligente direção dos elementos contidos nos outros três quartos que nos escapam.

O Problema do Destino e do Imponderável por Pietro Ubaldi - Parte II



      
      Qualquer que seja sua natureza, do bem ou do mal, tenderão sempre a percorrer o seu caminho até o fim e não descansarão enquanto não consumirem todo o impulso recebido. O bem e o mal, na realidade, existem personificados nessas forças. As do mal nos perseguirão como “Erínies” enfurecidas, gritando a todos nossas culpas e clamando por vingança, lançando-se contra nós, mordendo e despedaçando-nos. A tragédia humana está cheia delas. Como nos defendermos de um inimigo que está dentro de nós? Impossível nos escondermos. Impossível fazê-lo calar: não há barreiras de força ou de astúcia que o consigam. Eis então o armadíssimo involuido - desarmado, o lutador não mais sabe lutar; o forte está intimamente derrubado e arruinado. Eis que o homem involuido, pelos caminhos sutis do imponderável, tornou-se realmente um vencido. Desanimado diante do inacançável inimigo, que não consegue compreender, sofre e se humilha, para compreender. Aquelas forças são inexoráveis, são o destino, representam a lei de Deus, a inviolável justiça que tentamos violar e que, fatalmente, reconduz agora cada coisa a seu lugar. Os recursos humanos esmigalham-se contra essas potências silenciosas do destino. Elas abatem qualquer defesa, transpõem todas as portas, do rico ou do pobre, do poderoso ou do humilde. Uma única coisa as detém, inofensiva como a palavra de uma criança, leve como a asa de um anjo, imponderável e suave como uma oração: a inocência. Sermos inocentes! Essa pequena coisa se encaminha na direção da impetuosa potência da força e a faz parar, porque isto quer a Lei: que o honesto seja defendido e a justiça triunfe.

    Se, ao invés do mal, implantamos o bem em nosso passado, as criações que geramos serão de natureza completamente diversa. Também com o tempo crescerão, tornar-se-ão maduras, atingindo o seu efeito no mundo externo da manifestação das causas. Em lugar, porém, de assediar- nos a vida como inimigos, lançando sobre nós o sofrimento, estarão ao nosso lado, acariciando-nos, encorajando-nos como nossos amigos mais queridos. O involuido não sabe que o presente não se improvisa, não se forma apenas do próprio presente, e, sim, em grande parte do passado; também não sabe que a vida, no seio de um organismo complexo e perfeito qual é o universo, não é uma louca aventura, e, sim, um crescimento lógico e orgânico. Coisa alguma se improvisa do nada, mas, tudo volta e torna a voltar nas ondas do tempo, tudo se liga aos grandes ritmos da Lei, em conexão com suas causas, de que não pode separar-se, avançando por graus e por fases: germinação, crescimento, manifestação, esgotamento. No universo tudo está unido pela lei de causalidade, que tudo encadeia no desenvolvimento do tempo. Coisa alguma nasce senão por filiação, isto é, através duma derivação causal; e por isso, tudo revive sempre indestrutível nas suas conseqüências, em que necessariamente se continua. Como no filho se desenvolve o pai, como a árvore é o desenvolvimento da semente e a ação nasce da motivação, assim também, por uma concatenação inseparável, toda causa se prolonga no seu efeito.

    Todo fenômeno, no seu movimento evolutivo através do tempo, oscila entre estes dois extremos, constituindo um dualismo que não se isola numa forma fechada: princípio - fim, mas que se engancha continuamente no seu extremo final como um novo extremo inicial e se alonga, assim, ao infinito. Se, portanto, pela lei da causalidade, tudo é filho do passado, a vida se torna, então, um jogo vasto e complexo, por longas preparações, e a vitória é determinada por dinamismos acumulados que emergem de um armazém interior, que pode estar cheio ou desprovido, rico de provisões benéficas ou maléficas, úteis ou venenosas - o misterioso armazém da alma que o homem involuido não enxerga. As posições terrenas são aparentes e iludem. Por isso, o pigmeu pode ser substancialmente um gigante e o gigante, um pigmeu. Daí a invisível força de tantos inermes, a desconhecida grandeza de tantos humildes. A posição humana exterior é fictícia. A casa interior pode ser habitada por amigos ou inimigos, pelo bem ou pelo mal, por anjos ou demônios. Eis o armamento moral do homem evoluído: as boas obras, o haver cumprido o próprio dever, isentando-se de sanções, ser inocente de culpas. O nosso passado já está feito e lançou a trajetória de nossa vida. Assim como uma longa evolução orgânica construiu o nosso atual tipo biológico que, qual é, resiste a qualquer rápida deformação ou mudança, também através de um longo caminho se formou e definiu nossa constituição moral, viveiro de instintos aninhados no subconsciente e radicados bem longe, no passado. A forma é definida, mas não definitiva, porquanto o transformismo continua sempre e nada pode considerar-se definitivamente fixado. Permanece sempre aberta a porta para a expiação e a correção, pois a liberdade, embora enlaçada pelas conseqüências do passado, permanece inviolável e inviolada, sempre senhora de introduzir no destino novos impulsos e, com novos esforços, corrigir-lhe, como quiser, a trajetória. Suprimido o peso do passado que nos prende, o futuro é sempre livre.

    Uma das principais características deste mecanismo de forças é a possibilidade de isolar o próprio destino de um destino alheio. Ao lado de cada um falam e entram em ação as suas obras e não as do próximo. Cada um pode semear em seu campo o que desejar e ninguém pode fazê-lo em seu nome. A semeadura é livre, porém, a colheita é obrigatória. Somos livres, mas, responsáveis. Absoluta é a independência no semear o bem ou o mal; também absoluta é a obrigatoriedade de recolher o fruto de toda a semeadura. Eis porque o sábio procura nas causas profundas e longínquas as raízes de seu estado presente e com uma previdência que enxerga ao longe prepara seu futuro. Não importa se os outros ignoram estas leis. Quem erra paga pelo erro, e pagando aprende. A maravilhosa justiça da divina lei está, porém, nisto: cada um permanece livre e, em qualquer ambiente em que viva, pode, como quiser, perder-se ou salvar- se. A beleza está no fato dessa liberdade permanecer sempre garantida e o indivíduo ser independente, senhor absoluto, sempre, do próprio destino, senhor de construí-lo a seu modo, em qualquer tempo e lugar. Assim, num mundo em que o involuído, que não sabe, com seus sistemas impera e triunfa, ninguém pode impedir ao evoluído, que sabe, de escolher e seguir o seu caminho, nele recolhendo frutos abundantes. Conforme a ação que se antepõe, a Lei dá a cada um sua resposta, sabendo contemporaneamente funcionar, comportando-se diferentemente em planos e formas diversas. Desse modo, a fundamental liberdade de cada indivíduo é a tal ponto respeitada, sem ofender o princípio de responsabilidade, que ele pode sempre separar seu destino de qualquer destino alheio, pode conservar a mais completa autonomia de trajetória no meio do mais complexo entrançamento de forças, pode atingir as metas que quiser; pode perder-se, livremente, no meio da salvação de muitos, ou salvar-se no seio da perdição universal. O resultado é garantido, tanto no bem como no mal. O justo pode, assim, avançar em seu caminho, embora colocado num mundo de demônios. É o próprio passado, as obras, o mérito, o que importa diante de Deus.

quarta-feira

O Problema do Destino e do Imponderável por Pietro Ubaldi - Parte I


           
    Agradeço ao público, a que tenho a honra de falar, pela atenção que me concedem. Lerei esta noite um trabalho meu sobre o importante problema de nosso destino. Inicio logo o argumento, estabelecendo a pergunta: existe em nossa vida um destino? E, se existe, até que ponto tem ele o poder de enlaçar nossos atos? Existe nestes uma zona de fatalidade? E até que ponto esta exclui nossa responsabilidade? Devo presumir, como já admito, o princípio de causalidade; mas pergunto: até que ponto o efeito é ligado a causa de modo a excluir o livre-arbítrio? Tentemos responder a estas perguntas, procurando penetrar no mundo do imponderável, cujo funcionamento veremos depois.

    A atuação de uma ação nossa representa o arremesso de uma força de nossa personalidade espiritual sobre o mundo exterior. Essa força segue uma trajetória própria e sofre as leis do mundo dinâmico. Nossa responsabilidade também é uma força lançada sobre seu tornar-se, ao longo do caminho da evolução. Esse paralelo com o mundo dinâmico nos indica o que sucede no mundo imponderável de nossa personalidade.     Quando lançamos uma pedra, somos livres de lançá-la com a força e na direção que quisermos, mas, depois, uma vez lançada, a pedra seguirá por si mesma através do espaço, como um ser autônomo, com impulso próprio e uma trajetória sua, até o esgotamento do impulso que de nós recebeu. Enquanto está em sua fase de causa, o fenômeno assume caráter de livre escolha; contudo, em seu segundo aspecto, isto é, em sua fase de efeito, assume caráter de determinismo. Este paralelo entre o mundo dinâmico e o mundo do pensamento e da ação humana, é lógico e autorizado em um universo orgânico como o nosso, dirigido por um princípio unitário e por esquemas únicos, repetidos em várias altitudes e em todas as combinações possíveis. É precisamente este indiscutível fato da estrutura orgânica do universo, que nos permite deduzir, partindo das zonas conhecidas, as relações das zonas ignoradas. Somente com este sistema é hoje possível sondar o imponderável, descobrir-lhe as leis e estabelecer-lhe o funcionamento, chegando a resultados que o enquadram na fenomelogia universal, satisfazendo perfeitamente a nossa razão. Não podemos pedir à ciência positiva e objetiva que aceite os resultados que assim obtemos, senão como hipótese de trabalho. À análise competem, posteriormente, a prova e a demonstração. Enquanto isso não se der, porém, já foi obtida a orientação, fato que permite dirigir a pesquisa na direção dos gânglios vitais dos fenômenos, sem dissipá-la em contínuas tentativas.

    No arremesso, portanto, de nossas ações, da parte de nossa personalidade espiritual, acontece precisamente o que se verifica no lançar de uma pedra. Todo o nosso ser se centraliza em nosso eu ou espírito, que é justamente um organismo de forças, donde é lançado aquele impulso que se dirige do interior imponderável para o ambiente externo, onde, sob a forma de ação, se imprime na sua manifestação material, concreta. É assim que o imponderável atinge sua expressão exterior, objetiva, verificável pelos sentidos.     Observemos o mecanismo deste fenômeno. As forças que nós, com nossas ações, movimentamos no passado, representam, uma vez lançadas, uma vontade autônoma, um impulso que automaticamente, por inércia, tende a continuar movimentando-se e a conduzir-nos adiante, na direção inicial. Se, inicialmente, nós movimentamos nossas obras, agora elas nos movimentam, arrastando-nos não para onde hoje queremos, mas, para onde ontem quisemos. O passado não morre, mas revive sempre no presente. Nossas obras nos acompanham. Em face de tal estrutura orgânica da vida, em que se observa uma concatenação causal, a longo prazo, onde o presente é preparado pela passado e o futuro se baseia no presente, a filosofia “carpe diem” é uma forma de inconsciência. A liberdade, que julgamos ser sempre virgem e completa, só o é na fase inicial de nossas ações; ela não pode permanecer sempre no estado neutro de escolha, mas se fixa e se coagula num determinismo que representa o lógico encadeamento, por continuação, que vem desde o impulso dado. E este vem a constituir também um impulso no nosso destino, ligando aquela liberdade às suas próprias conseqüências; já agora não se pode impedir a continuação daquele impulso, senão por um outro, corretivo e contrário. Assim, nossas obras, nascidas por nossa vontade, tornam-se vivas e, como que animadas por uma vontade própria, são ativas e agem por nós, como criações nossas.     Nossa personalidade é um fenômeno continuativo em que os momentos sucessivos de seu tornar-se se acham entrosados, em que as forças por nós tornadas próprias se determinam e se arremessam, não podendo ser anuladas senão depois de completo desenvolvimento e exaustão. Elas formam, por qualidade e quantidade, a nossa força; e o passado fica fazendo parte de nós tanto quanto o presente. Elas vêm a ser a definição de nós mesmos, um fato completo que não é fácil modificar; vivem em nosso destino sob essa forma de fato que, no entanto, nunca é absoluto, pois no movimento incessante da vida é sempre suscetível de retoques e alterações.

    À medida que nossa vida prossegue, o novo que nos chega cada dia, se já não nos estava anteriormente vinculado, é livre e no curso de nossa vida, com as nossas ações, nós o encadeamos. Assim avançamos, ligando nossa própria liberdade a esta ou aquela coisa, até que o impulso se esgote e a trajetória finde. Em se desenvolvendo, porém, o fio da vida traz sempre uma nova e virgem liberdade, que vamos sucessivamente encadeando e cristalizando no determinismo, até que a abandonemos no passado, assim cristalizada, após haver concluído o ciclo da experiência. A liberdade é interior, situa-se no centro da personalidade, vive no reino das motivações; é daí que a atividade se dirige para a periferia e se expande no mundo exterior da manifestação, que é o reino do determinismo. Tanto esse ligar-se como esse extinguir-se no determinismo correspondem às características dos dois mundos, interior e exterior, que as forças motrizes de nossos atos percorrem, nascendo no primeiro, centro da personalidade, e extinguindo-se, esgotando-se no segundo, na periferia, no mundo exterior.

    Assim como com a germinação constante de novas ações, uma sempre nova e intacta liberdade nos espera; assim também no período de sua maturação um farnel de fatalidade sempre nos acompanha e nos envolve como uma nossa atmosfera, formando uma espécie de casca dinâmica que aprisiona nossa personalidade. É a Nêmesis da vida, que pode esmagar-nos ou erguer-nos, como ontem quisemos que hoje fosse. Do mesmo modo que os filhos exprimem as qualidades dos genitores, assim aquelas criações testemunham nosso passado e querem viver, manifestar-se e agir tais quais são, sendo impossível destruí-las ou impor-lhes silêncio. Elas gritam por si mesmas e querem como nós a quisemos. É delas o poder de afirmar: “este é inocente”, ou: “este é culpado”. Podem abençoar ou amaldiçoar, pedir um prêmio ou exigir uma punição. Se foram movimentadas para os caminhos do bem, tendem a salvar-nos; se o foram para as vias do mal, não se deterão enquanto não conseguirem desgraçar-nos. E isso porque representam uma causa que reclama seu efeito, um impulso que quer esgotar-se na direção em que foi lançado.

terça-feira

A Consciência e seus veículos - Parte I



 

"Homem: conhece-te a ti mesmo" - tal era a inscrição gravada no frontispício do pórtico de Delfos, na Antiga Grécia. Tão profundo é o conselho que ela nos dá que não devemos nos surpreender pelo fato de que o próprio Sócrates a  tomou  por divisa. Essa misteriosa sentença atinge o próprio  coração  do  mais  irônico  e  constrangedor problema que aflige o homem: o nosso desconhecimento a respeito  de nós mesmos ! Problema esse que desafia, desde épocas já encobertas pelas  névoas do tempo, mesmo a mais sagaz mente humana, que perplexa indaga: afinal, quem  sou eu?Na tentativa de trazer luz a essa  profunda  questão  cabe-nos  iniciar  tal investigação, ao que tudo indica, pelo nosso corpo físico e  seus  constituintes: os átomos..

         É sabido que a ciência moderna  avançou  tanto  na  direção  do  estudo  das partículas  subatômicas  que  as  experiências  que  demonstram  a   relatividade espaço-temporal nesse reino, ou do comportamento ondulatório  dessas  partículas, acabaram por abalar  irreversivelmente  os  próprios  alicerces  do  materialismo científico-mecanicista do século passado. Ao que tudo indica, a humanidade como um todo ainda está longe de compreender as conseqüências filosóficas e até mesmo metafísicas do magnífico trabalho do Dr. Albert Einstein sobre a possibilidade da conversão da matéria em  energia,  etc.. Tanto isso é verdade que o uso que tem sido feito desse conhecimento  é  o  mais trágico que a história já registrou - a bomba  atômica  -  instrumento  de  morte maciça nesse patético jogo de dominação e destruição.

         Em 1888, muito antes de todo esse avanço da ciência, Madame  Blavatsky,  (NT. fundadora da Sociedade Teosófica), já afirmava, em sua obra "A Doutrina Secreta", que a matéria era uma "condensação" do espírito e que ambos eram diferentes pólos  de manifestação da  mesma  realidade  subjacente.  Essa  idéia  foi  expressa  da  seguinte maneira: "... um dos pólos é o Espírito  puro,  perdido  no  absoluto  do Não-Ser, e o outro pólo é a Matéria, na qual ele se condensa,  "cristalizando-se" em tipos cada vez mais grosseiros, à medida que desce na manifestação."  Até pouco tempo a ciência admitia apenas  três  estados  para  a  matéria:  o sólido, o líquido e  o  gasoso.  Entretanto,  recentes  pesquisas  com  gases  de altíssimas  temperaturas,  na  busca  da  fusão  nuclear,  vieram  a   demonstrar propriedades tais na matéria que esse plasma  poderia  ser  considerado  como  um quarto estado.

         A ciência oculta considera, desde tempos imemoriais, a existência de 7 planos materiais, de sutileza crescente, subdivididos em 7  estados  ou  subplanos  cada. Isso totaliza 49 estados, ou seja, o sólido, o  líquido,  o  gasoso  e  mais  46 estados com coesão atômica cada vez menor e,  conseqüentemente,  com  sutileza  e plasticidade  crescentes  ou,  em  outras  palavras,  com  crescentes  graus   de liberdade.  Assim, por exemplo, o corpo físico, que é constituído de sólidos, líquidos  e gases, teria uma contraparte sutil que  seria  constituída  pelos  4  estados  de matéria seguintes, chamados éteres pelos ocultistas. Por isso, essa contraparte é chamada, às vezes, de  corpo  etérico  e,  em  condições  normais  de  vida,  ela interpenetraria o corpo físico, que se constitui de matéria mais densa. Por outro lado, por ela ser uma duplicata exata do corpo físico, célula por célula,  ela  é mais freqüentemente conhecida como duplo etérico. Uma de suas principais funções é servir como matriz do corpo físico.  Segundo  a tradição oculta as células físicas crescem de acordo com o molde  das  etéricas que, por sua vez, constituem o duplo etérico, obrigando-as a  trabalhar  como  um  todo, ou seja, como um organismo.

         O trabalho da parapsicóloga Thelma Moss sobre o efeito  fantasma  é  uma  das mais recentes evidências dessa função do duplo etérico. Em  condições  normais  o duplo não pode ser fotografado, devido à sutileza dos seus  constituintes,  porém um campo elétrico é  influenciado  pela  sua  presença.  Tal  é  o  princípio  da fotografia Kirlian, que embora não possa fotografar o duplo etérico, fotografa  o  ar ionizado pelo efeito corona e influenciado pela integração do duplo, e,  dessa forma, consegue ao menos a definição do seu  contorno.  Por  exemplo,  uma  folha recém retirada da árvore, mas com parte de sua superfície  cortada  e  destruída, tem o seu contorno original nitidamente definido na fotografia Kirlian,  como  se ela ainda estivesse inteira. Esse contorno, que continua aparecendo mesmo  sem  a parte física correspondente, foi chamado de efeito fantasma e se deve à  presença do duplo etérico da folha. O duplo tende a  exercer  sua  função  moldante  no  sentido  de  orientar  o crescimento das células físicas, porém se a lesão é  muito  grande  ela  afeta  o próprio duplo gerando uma irregularidade no fluxo das energias deste que  gerará, no devido tempo, a cicatriz física.

         Isso nos leva à segunda  função  do  duplo  etérico  que  é  a  de  absorção, especialização e distribuição da energia vital proveniente do Sol, conhecida como 'prana' na tradição  Hindu.  Por  isso  os  hindus  chamam  o  duplo  etérico  da 'pránamayakosha': veículo de 'prána'. Os grandes centros de 'prána' são as glândulas e os centros nervosos do corpo físico, bem como os respectivos centros de força  do  duplo  etérico,  conhecidos como 'chakras' na tradição Hindu, ou dos outros corpos sutis.  A  palavra  chakra provém do sânscrito e, literalmente, significa roda. Os  chakras  são  usualmente descritos como vórtices em forma de sino ou flor situados na superfície do  duplo etérico, com um diâmetro de aproximadamente 10 cm., com suas "hastes"  conectando alguns deles à medula espinal e outros a algumas glândulas do  corpo  físico.  Os sete chakras tradicionais são situados na base da coluna, no baço, no umbigo,  no coração, na garganta, entre os olhos e no topo da cabeça.  É  comum  às  diversas tradições religiosas considerar um ou mais desses  pontos  do  corpo  como  sendo sagrados, como é o caso do "terceiro olho" dos hindus e dos faraós, e da  auréola no topo da cabeça nas tradições Cristã e Budista,  entre  outras.  As  linhas  de fluxo do 'prána' no duplo etérico formam um verdadeiro sistema de circulação e  é nele que se baseiam as técnicas da hatha-Yoga e da Acupuntura, por exemplo.

         Existe ainda um terceira função do duplo etérico que é, ao que tudo indica ou parece indicar, a mais significativa  para  nosso  estudo.  É  aquela  função  de intermediário que o duplo etérico exerce entre a  nossa  consciência  e  o  corpo físico, visto que é através dos centros do duplo que a  nossa  consciência  passa ter relação com o sistema nervoso e algumas glândulas  do  corpo  físico.  Com  a ocorrência da morte essa função, bem como as outras, não é mais exercida, pois  o "cordão de prata", como é chamado o vínculo entre o físico e o duplo na Bíblia em Eclesiastes 12:6, se rompe libertando a consciência  do  corpo.  A  partir  desse momento as funções sensoras e motoras do sistema  nervoso  físico  desvinculam-se completamente da consciência. Fenômeno similar produz a ausência de dor durante o transe hipnótico, devido à paralisação do fluxo de 'prána'  em  alguma  parte  do duplo. Esse é a arte  que  certos  faquires  e  hatha-yogues  orientais  dominam, possibilitando assim o controle da dor e mesmo de funções mais complexas  como  a pulsação do coração, etc., a ponto de existir a referência oficial  de  casos  em que os mestres dessa arte  tendo  sido  considerados  clinicamente  mortos  terem "repentinamente" voltado à vida. É também essa função do duplo que produz a interação da  mente  com  o  corpo gerando as doenças psicossomáticas, etc. Outro ponto que merece destaque é que os chakras são  a  porta  pela  qual  o cérebro pode tomar contato com os "mundos" sutis, ou seja, são o  instrumento  da percepção extra-sensorial. Por exemplo, a  clarividência  -  o  poder  de  ver  a matéria sutil e, conseqüentemente, o lado oculto da natureza -  está  relacionada com o chakra frontal ou  "terceiro  olho".  Essa  relação  está  simbolizada,  na tradição Egípcia, pela serpente que sai da fronte do faraó, indicando que ele era possuidor desse poder e do conhecimento que dele decorre. Aliás, foi  através  da clarividência que a  maioria  dos  conhecimentos  que  a  Tradição-Sabedoria  nos oferece foram adquiridos e ratificados, ao longo  dos  milênios,  por  uma  linha ininterrupta de ocultistas ocidentais e orientais, até os dias de hoje.

         Aquela serpente  é  um  símbolo  comum  à  tradição  Hindu,  representando  a Kundalini - energia poderosíssima que, no homem comum, "dorme como  uma  serpente enrolada" no chakra da base da coluna vertebral. Pelo uso de certas  práticas  de Yoga, o  candidato  capacitado,  e  sob  a  orientação  direta  de  um  instrutor competente, desperta essa força e a põe em ascensão através de 'sushumná' -  como é chamada a passagem interna da espinha dorsal. À medida que essa  energia  passa através dos chakras, eles vão sendo vivificados, um  a  um,  abrindo,  assim,  as portas da percepção do candidato às dimensões sutis, também chamadas  de  planos.

         Nunca é demais alertar que essas práticas são empreendidas  somente  nos  últimos estágios do caminho do discipulado que leva à iluminação. Nenhum noviço  pode  se aventurar nessas técnicas sem expor seu corpo físico a grande perigo, provocando, eventualmente, a loucura ou a morte.

         Foi através da clarividência que os alquimistas da Idade Média  conheceram  o veículo da consciência que esta  imediatamene  além  do  duplo  etérico.  Eles  o chamavam  de   corpo   astral   porque,   quando   observado   clarividentemente, assemelhava-se ao corpo físico, porém era circundado por uma aura ovóide de cores brilhantes como as  de  uma  estrela  que  se  movia  constantemente.  Ele  seria constituído de matéria astral, ou seja, dos 7 estados ou subplanos  imediatamente mais sutis que os éteres. Essa  matéria  seria  tão  sutil  que  os  seus  átomos possuiriam um grau de liberdade a mais para vibrar, isto é, uma nova direção para deslocamento. Isso caracterizaria o plano astral, constituído por  essa  matéria, como  quadridimensional  e  portanto,  interior  ao  plano  tridimensional.  Essa interpretação seria similar a "interpenetração" das diferentes ondas de rádio  no mesmo espaço. Também o corpo  astral,  seguindo  a  mesma  linha  de  raciocínio, usualmente interpenetraria o duplo etérico que, por sua  vez,  interpenetraria  o corpo físico. Neste sentido, os mundos sutis  estão  aqui  e  agora  conosco  ou, usando a expressão do Cristo: "o reino dos  céus  está  dentro  de  vós"  (2).  O  problema real se encontra na dificuldade de  focarmos  nossa  consciência  nesses estados elevados, sintonizarmos, por assim dizer, nosso "receptor"  cerebral  com essas "ondas".

         Uma das funções do corpo astral é a de transformar as vibrações captadas pelo órgãos dos sentidos do corpo  físico  em  sensações  na  consciência.  A  ciência moderna tem encontrado dificuldades em "dissecar" a consciência  em  laboratório, de modo que admite a ocorrência de tal transformação em algum recanto do cérebro, que tem sido vasculhado "de ponta a ponta" nessa busca. Por exemplo,  é  um  fato científico que as imagens formadas em nossas retinas são invertidas em relação ao  mundo exterior, pois elas formam-se por intermédio do cristalino do globo  ocular  que, sendo uma lente biconvexa, necessariamente inverte todas as  imagens  reais; porém onde ocorre a reinversão? Seria no cérebro? A investigação  clarividente, com seu instrumental mais adequado para dissecar, por assim dizer, as  sucessivas camadas da consciência, pode ir mais longe. Segundo a  Tradição-Sabedoria,  essas vibrações captadas do mundo físico pelos sentidos fluiriam pelo  sistema  nervoso até o cérebro do corpo físico de onde seriam refletidas para o cérebro etérico  e  deste para o corpo astral. Somente então elas se converteriam em sensações. Seria  neste estágio que, eventualmente, a sensação  poderia  receber  o  "colorido"  ou  qualidade de "agradável" ou de "desagradável",  que  anteriormente  não  existia.

         Caso houvesse algum envolvimento do mental  através  da  memória  ou  antecipação surgiriam desse processo à atração, isto é, o desejo  de  experimentar  novamente essa sensação agradável. De acordo com esse ponto de vista, essas são  as  raízes mais elementares do desejo e  da  emoção.  Por  isso  o  corpo  astral  é  também conhecido como veículo dos desejos ('Káma', em sânscrito), alma animal ou veículo emocional. Ele é o veículo que expressa nossos sentimentos,  paixões,  desejos  e  emoções. Platão chamava-o de alma apetitiva.

         Assim como os impactos sobre os sentidos físicos, transmitidos pelo  'prána', não se transformariam em sensações sem a intervenção dos centros do corpo astral; assim também essas sensações não chegariam à mente sem  a  ação  mediadora  desse veículo. Essa é a segunda função do veículo astral: servir  como  uma  ponte  que funciona em ambos os sentidos, visto que a mente  comanda  o  cérebro  físico  e,  conseqüentemente, o corpo físico por meio de estímulos  transmitidos  através  do corpo astral. Ao  longo  do  curso  investigaremos  qual  é  a  influência  dessa inter-relação dos veículos sobre o  nosso  estado  de  espírito,  como  causa  da contradição humana.

         A terceira função do veículo astral é  atuar  como  veículo  independente  da consciência. Por exemplo, durante o sono normal ou em um estado de  transe  seria possível separar-se o corpo astral do corpo físico  libertando  o  primeiro  para funcionar independentemente no plano astral. Embora não tenhamos espaço aqui para abordar mais profundamente  a  temática  do  sonho,  da  "viagem  astral",  etc., poderíamos citar uns poucos fenômenos que seriam explicados por essa função. Como o plano astral é o das emoções, nele elas são muito mais intensas  do  que  podem ser sentidas quando nossa consciência está focada no cérebro físico.  Assim,  por  exemplo, nós podemos sentir certos tipos  de  medo  em  um  pesadelo  ou  extrema alegria em alguns "sonhos coloridos" que são desconhecidos no estado de  vigília, porque quando dormimos a consciência não está focada no cérebro físico mas sim no veículo astral. A dificuldade está em trazer claras recordações daquele mundo  de quatro dimensões para nosso cérebro  tridimensional  quando  acordamos  -    um cérebro treinado pode fazê-lo plenamente. Alguns distúrbios no retorno  do  corpo astral ao físico são também os responsáveis por processos de catalepsia, bem como certas sensações de queda bastante comuns que costumam  acompanhar  um  despertar súbito.

         Essa terceira função do veículo astral também está  ligada  ás  condições  da consciência após a morte física, que tem algumas semelhanças com  o  processo  do sonho, como veremos na próxima lição. Caso nós quiséssemos levar mais a fundo essa investigação  sobre  a  natureza real do ser humano, nós nos depararíamos, segundo nos diria a Tradição-Sabedoria, com que os ocultistas denominaram plano mental: o reino do pensamento. Ele  seria constituído de matéria mais sutil que a astral, na verdade  pelos  7  estados  de matéria seguintes. O veículo da consciência que  se  constituiria  dos  primeiros quatro estados ou subplanos do mundo mental seria, por analogia  com  os  outros, chamado de corpo mental e estaria relacionado com  os  pensamentos  concretos.  É importante que nós investiguemos mais detalhadamente o que são esses  pensamentos concretos, ao invés de apenas dizer  que  são  aqueles  não  classificáveis  como abstratos.

         Nós consideramos a pouco como os impactos da  matéria  física,  atingindo  os sentidos, se transmitiam pelo sistema nervoso para se converterem em sensações no corpo astral. A primeira  função  do  corpo  mental  é  a  de  transformar  essas sensações em percepções mentais de cor, forma, som, gosto cheiro e tato. Outra de suas funções é a de  criar  uma  imagem  composta  a  partir  da  combinação  das  diferentes percepções mentais, ou imagens, provenientes dos diferentes órgãos dos sentidos. Assim, por exemplo, a imagem mental que nós temos de uma laranja é  uma combinação de percepções de cor, forma,  gosto  etc.,  formando  em  nossa  mente aquela imagem composta à  qual,  na  língua  portuguesa,  associa-se  o  nome  de "laranja", que corresponde a certa grafia e som. Esse nome ou uma rápida passagem de olhos por uma imensa série de  imagens  relacionadas.  Dessa  forma,  o  corpo mental percebe muito mais que nossos limitados sentidos captam, de fato, do mundo que nos cerca. Por exemplo, ao ver a laranja  a  mente  pode  lembrar-se  de  seu gosto, cheiro, etc... Por outro lado, nós nunca vimos os átomos de uma  laranja  a vibrar nem os fótons deles provenientes que são percebidos, dentro  da  faixa  do vermelho ao violeta a que somos fisicamente sensíveis, como cor por nossa  mente. Logo, nós não conhecemos em sua totalidade nem sequer uma laranja! Os objetos  do mundo que nos cerca só existem com cor, forma, etc., em nossa mente; eles são, na verdade, uma manifestação de energia condensada: átomos e moléculas a vibrar. Como nos disse Dr. I.K.Taimini:"O objeto é apenas uma causa instrumental  desconhecida para excitar a imagem mental  que  é  formada  em  nossa  mente.  Vivemos  assim, realmente, num mundo para o exterior  por  um  processo  chamado  'Vikshepa',  em sânscrito. Esse processo de projetar nosso mundo mental para  fora  de  nós,  que deveria ser bastante óbvio para quem quer se dê ao trabalho  de  pensar  sobre  a natureza da percepção sensorial, deve nos convencer de duas coisas. Uma é  que  o mundo em que vivemos está realmente dentro de nós, em nossa mente, e  a  outra  é que, na verdade, estamos vivendo no meio de ilusões as mais grosseiras, sem mesmo atentarmos no fato" (3).

         Esse mecanismo "objetificante" do corpo mental, a alma irascível ou arrogante do platonismo, é o causador da Grande Heresia:a ilusão de ser um eu separado. Ela gera o egoísmo que separa os homens. Por isso, a Sr.a H.P. Blavatsky escreveu: "A mente é o grande Assassino do Real" (4), ou seja, da Unidade de  tudo  que  vive. Acrescente-se a isso que os corpos  astral  e  mental  usualmente  trabalham  tão interligados que poderiam ser vistos como sendo um  único  veículo,  que    foi chamado de 'Káma-manas' (desejo-mente) no budismo esotérico e  de  'Manomaykosha' pelos vedantinos, uma verdadeira "máquina de projetar  ilusões".  Poderíamos  até  imaginá-la como uma "película de filme" constantemente a projetar imagens mentais emocionais na "tela" do cinema que seria, nessa visão alegórica,  o  conjunto  de átomos da matéria física que nos cerca.